CryptoRave 2025

O paradoxo da proteção infantil: os riscos das medidas de segurança online para meninas e crianças queer
17/05/2025 , Ian Murdock
Idioma: Português brasileiro

Nesta palestra, buscamos discutir como leis e instrumentos normativos que visam proteger crianças e adolescentes online podem converter-se em ferramentas cerceadoras de direitos desses grupos, especialmente de meninas e crianças LGBTQIA +. A partir da observação de legislações do Norte Global, apontamos como tais medidas podem impactar o Sul Global em decorrência do caráter interconectado da Internet e do eco na legislação brasileira.


Leis e normas de diferentes países, com o intuito de proteger crianças e adolescentes no ambiente digital, frequentemente buscam restringir o acesso a conteúdos nocivos e prejudiciais. No entanto, em um esforço excessivo para "proteger" esses jovens, o conceito de conteúdo inadequado pode ser expandido de forma a comprometer direitos fundamentais, como o acesso à informação, à liberdade de expressão, à associação pacífica e à participação na vida pública. Essas iniciativas, muitas vezes, são impulsionadas por grupos políticos que aproveitam o discurso da proteção infantil para implementar medidas alinhadas a uma visão conservadora.

Neste contexto, leis propostas no Norte Global, com o objetivo de enfraquecer a segurança dos dispositivos digitais, podem gerar um efeito dominó. A influência geopolítica dessa região pode impactar outros países, e o enfraquecimento da segurança em um local pode aumentar os riscos em outros. Tais medidas representam uma ameaça ainda maior para jovens em situação de vulnerabilidade, como meninas e pessoas LGBTQIA+.

O Online Safety Act (Reino Unido) é um exemplo claro desse risco. A lei propõe o escaneamento de mensagens privadas, a fim de detectar materiais de abuso sexual infantil, enfraquecendo a criptografia de ponta-a-ponta. O Chat Control, proposto pela União Europeia, segue a mesma direção, embora ainda não tenha sido aprovado. Nos Estados Unidos, o Kids Online Safety Act também é motivo de preocupação. Sua amplitude e vaguidade podem aumentar os riscos de censura de conteúdos informativos sobre gênero e sexualidade.

Os alvos mais frequentes dessas iniciativas são temas relacionados à educação e saúde sexual, especialmente no que diz respeito às meninas, e as expressões de gênero que fogem da heterocisnormatividade. Essas medidas, sob o pretexto de proteger, podem agravar desigualdades sociais preexistentes, afastando a possibilidade de uma vida digna para corpos e subjetividades já marginalizados e violentados.

No Brasil, a Resolução 245 do CONANDA representa um avanço significativo. Contudo, seu artigo 18 gera preocupações semelhantes, pois coloca a proteção de crianças e adolescentes acima de qualquer consideração técnica. O enfraquecimento da segurança digital pode colocá-los em risco de contato com criminosos e abusadores, além de expô-los a conteúdos nocivos. Os projetos de lei 2628/2022 (sobre proteção digital de crianças e adolescentes) e 4/2025 (reforma do Código Civil) também visam melhorias, mas levantam questões ao não definirem claramente quais conteúdos e serviços são inadequados para esse público, abrindo espaço para a censura de informações que crianças e adolescentes têm o direito de acessar.

Mestre em Antropologia e bacharel em Ciências Sociais pela UFPE. Foi coordenador de pesquisa pelo Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec)

Pesquisador no Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec). Integrante do GT de Criptografia da ISOC Capítulo Brasil. Comunicador ativista. Mestre em Comunicação pelo PPGCom-UFPE.