CryptoRave 2025

Não estamos no ciberespaço. Estamos no Brasil
17/05/2025 , Chelsea Manning
Idioma: Português brasileiro

Na área da tecnologia persiste uma ideia da separação entre o 'técnico' e o 'político', como se algum trabalho ou projeto pudesse ser explicitamente técnico e desconectado da materialidade política. Esta divisão é o que nos impede de atuar efetivamente como força de mudança. Eu desejo encontrar uma aproximação entre Hal Finney e o movimento Cypherpunk com a esquerda radical para gerar uma síntese capaz de realmente atuar no mundo real. A ideia é que encontremos um propósito de libertação política, soberania digital e construção de um futuro melhor no nosso trabalho técnico, seja ele o desenvolvimento de aplicativos, protocolos de criptografia ou redes descentralizadas.


Hal Finney é um lendário criptógrafo, tendo sido um dos desenvolvedores do PGP e o primeiro recipiente de Bitcoin (alguns dizem que até poderia ser o próprio Satoshi). Mesmo sendo um ícone do individualismo, do "confie na matemática e não em pessoas" e do pensamento que fetichiza a tecnologia como a solução para todos problemas, uma frase sua ainda desafia essa interpretação simplista de sua contribuição:

"Não estou no ciberespaço agora; Estou na Califórnia ... Até que eu seja capaz de viver no meu computador e comer elétrons, não vejo relevância no ciberespaço."

Escrita no contexto de uma discussão sobre como um "governo voluntário" de moldes anarcocapitalistas poderia se formar no ciberspaço, indica uma visão que rejeita a separação imaginária entre a materialidade e a interações digitais mediadas pela tecnologia.

Código é muitas vezes visto como "a lei do ciberespaço". Algoritmos previsíveis e lógicos seriam uma maneira justa e racional de organizar a sociedade. Aceitando isso a pergunta óbvia - até meio batida - é: como se criam esses algoritmos e quem os controla? Ou para explicitar mais o dilema: por que hoje a internet é o playground das bigtechs e a privacidade parece estar esquecida no churrasco? É coincidência as bigtechs estarem entre as vinte maiores empresas dos EUA (e do mundo) e de mãos dadas com o governo de lá?

A resistência, é claro, passa pela criação de nossos próprios algoritmos e plataformas e a atuação no "ciberespaço". Mas, não pode ser só isso, certo? Os movimentos cypherpunk, software livre e todas as suas vertentes tem nos entregado míseras vitórias e postulo que o motivo é: estamos atuando baseados em princípios meramente técnicos que nunca deveriam ter sido dissociados da luta política. Nenhum algoritmo vai "rodar o mundo". A realidade é que o mundo "roda os algoritmos".

No dia a dia, ouvimos promessas de desenvolvimento tecnológico para o Brasil na nossa integração numa economia global por meio da modernização de processos e ferramentas. Hoje é tendência a sessão de grandes terrenos onde serão instalados datacenters provendo serviços para empresas multinacionais, que por sua vez vendem-nos de volta esses serviços e ficam com o expertise, dados e a maior parcela dos lucros. Isso é bom? É suficiente sermos usuários de tecnologia? Não. Queremos ser donos da tecnologia!

Qual o propósito do desenvolvimento tecnológico? Digo: a tecnologia deve emancipar os trabalhadores e permitir a superação do modelo capitalista. Busco uma síntese entre as contribuições do movimento cypherpunk e software livre com a famosa tese 11 do Marx, que se tivesse sido escrita no século 21 seria um baita tweet: "Os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de diferentes formas; trata-se, porém, de transformá-lo."

Cientista da Computação formado pela UFRGS em 2013. Trabalha há vários anos com desenvolvimento de software com enfâse em sistemas Linux e aplicações Web. Atualmente faz parte da startup Mconf Tecnologia, onde desenvolve um sistema open source para webconferências. Fascinado por software livre e cultura livre, está envolvido com diversas iniciativas coletivas em Porto Alegre, a principal delas sendo o Hackerspace Matehackers que é um espaço compartilhado para entusiastas de tecnologia. Hoje faz parte do coletivo Soberana que busca a organização de trabalhadores nas redes e fora delas além de ser o host do canal 'Tecnologia e Classe'