CryptoRave 2025

Cuidados post-digitais entre Brasil, Espanha, e Italia
17/05/2025 , Alan Turing
Idioma: Português brasileiro

As tecnologias da informação e comunicação possibilitaram o surgimento de novas formas de violência relacionadas com gênero facilitadas por tecnologias (TFGRV, em inglês), havendo crescentes evidências das conexões entre violências online e offline.
Organizações da sociedade civil estão na linha de frente no desenvolvimento de respostas à violência de gênero online e offline. Quais organizações têm desenvolvido respostas à violência facilitada por tecnologias e que tipos de ações têm realizado, tanto online quanto offline? Este projeto teve como objetivo responder a essas questões por meio de uma etnografia multimodal junto a organizações da sociedade civil no Brasil, na Itália e na Espanha. Buscou-se revelar conceituações situadas da TFGRV, documentar e mapear práticas de combate e promover o intercâmbio internacional e o compartilhamento de conhecimentos sobre estratégias e ferramentas para construir internet e sociedades mais justas. A apresentação busca criar um espaço de discussão e intercâmbio sobre abordagens territorializadas ao cuidado feminista digital e percepções sobre o fenômeno da TFGRV baseadas em iniciativas locais.


Iniciativas de cuidado digital proliferaram globalmente nos últimos dez anos. No Brasil, a questão ganhou maior relevância após o assassinato de Marielle Franco, enquanto na Espanha focou-se em responder à emergência de redes masculinistas dentro da chamada "manosfera", e na Itália, a resposta surgiu após um caso trágico de suicídio instigado por vazamento não consensual de imagens íntimas (NCSII). Nos três países, evidências apontam para as interconexões entre o aumento da misoginia online, violência de gênero (online e offline) e a ascensão de ideologias e políticas de extrema-direita e anti-direitos, que centralizam seus discursos contra a chamada "ideologia de gênero.
As respostas da sociedade civil contra a violência patriarcal, tanto online quanto offline, multiplicaram-se nos últimos anos, auxiliadas também pelo reconhecimento institucional da abrangência e gravidade da questão (por exemplo, resolução da ONU de 2018, diretiva da UE de 2024 sobre violência baseada em gênero). Nos três países, as iniciativas que combatem a TFGRV com perspectiva feminista adotaram a abordagem de "cuidado digital" como uma abordagem holística para a segurança digital e com referência à ética do cuidado, práticas de cuidado e debates sobre cuidado e trabalho de cuidado nos feminismos, embora cada contexto apresente estratégias e enfoques específicos.
As organizações da sociedade civil adotaram principalmente um modelo sem fins lucrativos para sustentar suas atividades ao longo do tempo; seu trabalho contribuiu significativamente para monitorar a TFGRV com a contrprodução de dados quando estes estão ausentes no nível institucional; além disso, tendem a adotar uma perspectiva feminista anticapitalista que considera o papel do capitalismo e das violências sistêmicas, como racismo algorítmico, invisibilidade trans e censura.
Esta pesquisa mostra a necessidade de apoiar iniciativas de cuidados digitales como as das organizações mapeadas, bem como de aprofundar a compreensão do continuum on-line-off-line da violência de gênero, de implementar uma abordagem interseccional adaptada ao contexto e de considerar o entrelaçamento desses aspectos com a disseminação e o crescimento local e global de políticas e discursos de extrema direita e anti-direitos.
Proponho o conceito de cuidados pós-digitais para dar conta das imbricações on-line/off-line, que parecem relevantes 1) na compreensão da violência e de seus riscos associados; 2) no desenvolvimento de iniciativas de aplicação da lei que considerem tanto os aspectos “digitais” quanto os não digitais, em uma abordagem holística que inclua cuidados psicossociais e jurídicos e, no contexto brasileiro, também cuidados espirituais; 3) no desenvolvimento de iniciativas que ocorram tanto on-line quanto off-line, neste último caso recuperando tecnologias e práticas analógicas e “ancestrais” (esta última característica do contexto brasileiro) para promover processos de aprendizagem que visem reduzir a exclusão digital e suas consequências.

Giulia Campaioli se formou em Psicologia pela Universidade de Pádua, na Itália. Desde o seu primeiro estudo sobre conteúdos online pró-anorexia e pró-automutilação, Giulia se interessou pela transformação digital da sociedade. Atualmente, è doutoranda em Antropologia e Comunicação, na Universidade Rovira i Virgili (Espanha) e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), usando uma etnografica e orientada à transformação social para mapear as respostas da sociedade civil à violência de gênero online no Brasil, Espanha e Itália.